À espera de um milagre
Cenas de Hospital II

Era visível o olhar de preocupação daquela senhora, andando de um lado para o outro no hospital tentando concluir uma ligação no celular. Em uma cadeira de rodas, um menino de uns 12 anos de idade, assistia tranquilo, um jogo de futebol na TV.

A história começou a me chegar em recortes, ora ouvindo a conversa das enfermeiras, ora ouvindo as ligações tensas da avó com uma amiga ao telefone, dizia a todo instante que rezava por um milagre.

Escritores são assim mesmo, observam tudo, escutam conversas alheias, estão sempre em busca de personagens e boas histórias.

Pelas conversas, entendi que o menino jogava bola na aula de educação física quando entrou duro em uma dividida caiu e não conseguia mais andar. A avó é chamada às pressas e o menino levado para o hospital de ambulância.

Me identifiquei de imediato com a avó. Me coloquei no lugar dela. Ligar para um filho ou filha viajando no exterior e avisar que o neto deixado bem e com saúde estava, agora, sem conseguir andar em uma cadeira de rodas. Não me passa pela cabeça pesadelo pior.

Minha filha ao contrário. Se apegou logo ao menino quase da idade do seu filho, meu neto. Até esqueceu do seu tornozelo inchado e dos muitos hematomas espalhados pela sua perna depois de cair no vão do metrô entre a estação e o trem. Ofereceu biscoitos ao garoto e foi buscar água.

Eu toco de leve seu braço e comento:

  • Esse menino está tão tranquilo para quem parou de andar de repente.

Minha filha me olha com repreensão e fala:

  • Mãe. Essa idade é assim mesmo. Eles não têm noção de perigo. Se julgam imortais.

Pode ser. Era um entra e sai de médico na sala. O menino já tinha feito uma ressonância magnética e aguardavam um especialista de outra unidade para reexaminar o garoto que continuava alheio a confusão assistindo ao jogo na TV.

Minha filha sai para fazer um raio X. Finalmente a avó consegue realizar a pior ligação da sua vida. Tenta explicar a filha toda a situação e segurar o choro. Vou completando as lacunas que estavam faltando. Ainda não era uma crônica, só uma história de hospital.

Minha filha volta e pergunta preocupada como está o menino. Respondo que na mesma posição, vendo o jogo do Botafogo, agora comendo os biscoitos que ela deu.

Ela me olha séria de novo e retruca:

  • Mãe. Você está implicando com o garoto. Que coisa feia.

A avó vem com o telefone e entrega para o menino que fala com a mãe de forma monossilábica. Uma outra enfermeira passa e alheia a situação muda o canal da TV e segue em frente. A avó pega o telefone de volta e sai falando baixinho e chorosa com a filha.

De repente, o menino se dá conta da mudança de canal. Se levanta normalmente da cadeira de rodas, vai até o aparelho de televisão e coloca o seu jogo de volta.

Catuco a minha filha mostrando a cena. Ela arregala os olhos.

Uma enfermeira que entrava também vê a cena. Sai e volta com o médico. A avó que estava de costas e nada viu, desliga o celular e vem participar da conversa.

O médico pergunta ao menino se ele levantou e ele balança a cabeça confirmando. Pergunta se ele consegue se levantar de novo. Ele se levanta e anda normalmente pela sala.

-Como você se sente? Pergunta o médico.

  • Melhor. responde.

A avó, com as mãos em forma de oração, agradecia a Deus pelo milagre e emocionada, ria e chorava ao mesmo tempo.

Observo o médico em busca de alguma explicação. Mas ele não tinha expressão alguma no rosto e não disse absolutamente nada.

Simplesmente pede a avó e o menino que aguardem e sai.

O raio X da minha filha não dá nada. A avó telefona correndo para a filha para dar as boas notícias. O garoto consegue ver os minutos finais do seu jogo de futebol. O botafogo ganha a partida. Vamos todos embora.

Sei não. Acho que o único milagre que vi ali, naquele dia, foi a vitória do botafogo.